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Luciano Adolfo, diretor jurídico de Comércio Exterior e Societário da FASS |
*Luciano Adolfo, diretor jurídico de Comércio Exterior e Societário da FASS
Dias atrás um importador começou a ficar muito preocupado, porque tinha importado muitas mercadorias para distribuir no Brasil, mas devido ao avanço da COVID-19 e ao fechamento do varejo, temia que ocorresse algum problema para desembaraçar as cargas e nacionalizar as mercadorias para revendê-las.
Como os produtos já estavam armazenados no País, aguardando só o registro das importações, ele não tinha a intenção de desistir deles e muito menos de devolver para os fornecedores estrangeiros, principalmente pelo custo dessa reexportação. A dúvida era se a Alfândega poderia dar algum prazo adicional, além dos noventa dias previstos no Regulamento Aduaneiro, para que pudesse tomar essa decisão, sem que a Receita Federal considerasse as mercadorias abandonadas e determinasse que fossem bloqueadas.
Apesar dos esforços do Governo Federal para minimizar os efeitos da paralisação de atividades presenciais nos órgãos públicos e do fechamento do comércio, as medidas voltadas a área de Comércio Exterior ainda são bastante tímidas. A Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) aprovou a redução da alíquota de imposto de importação para uma série de mercadorias relacionadas à prevenção e ao tratamento da pandemia, bem como determinou que essas mercadorias teriam tratamento prioritário na liberação. A Anvisa liberou temporariamente a importação e fabricação de algumas mercadorias sem exigir de notificação prévia. A Procuradoria da Fazenda Nacional, por sua vez, paralisou as cobranças de contribuintes em débito.
Mas o fato é que até o momento não foi feito um pronunciamento oficial sobre a suspensão dos prazos para a nacionalização de mercadorias. Ou seja, ainda vale a regra do Regulamento Aduaneiro, que no Art. 546, diz que o despacho de importação deverá ser iniciado em:
I – até noventa dias da descarga, se a mercadoria estiver em recinto alfandegado em zona primária;
II – até quarenta e cinco dias depois de esgotar-se o prazo de permanência da mercadoria em recinto alfandegado de zona secundária; e
III – até noventa dias, contados do recebimento do aviso de chegada da remessa postal.
Caso o despacho de importação não ocorra nos prazos previstos no Regulamento Aduaneiro, existe o risco da aplicação da pena de perdimento das mercadorias por abandono, também prevista no Regulamento (art. 689, IX).
Porém, para a Receita Federal decretar o perdimento das mercadorias por abandono, existe um requisito que não está expresso na lei: o animus abandonandi, nada mais é que a vontade de abandonar a mercadoria. E, em diversas ocasiões, o judiciário afastou a aplicação do perdimento das mercadorias por abandono, porque os importadores demonstraram o real interesse nelas, seja comprovando que tentaram conseguir os recursos necessários para a nacionalização, seja porque informaram alguma impossibilidade pontual durante o prazo de noventa dias.
Transformar uma demanda como essa em processo judicial é uma medida extrema. Por isso, o ideal é que a empresa planeje junto com sua assessoria jurídica como evitar o processo judicial. Para isto, é bom saber que existem bons prognósticos nas ações judiciais, mas é aconselhável melhor usar o prazo para planejar todas as operações de importação e distribuição em andamento, porque há formas de evitar o processo administrativo de perda (e eventualmente de um processo judicial). Alguns exemplos são:
a) transferir as mercadorias da zona primária para a secundária;
b) solicitar o entreposto aduaneiro delas; ou
c) requerer prazo adicional à Alfândega informando o interesse nas mercadorias e que está enfrentando dificuldades em função da pandemia da COVID-19 no comércio.
Existem ainda outros caminhos possíveis. Entretanto, dependem de uma avaliação consistente de todas as operações da empresa importadora, para verificar em quais situações será mesmo necessário um prazo alargado e se é econômica e comercialmente viável aguardar por mais tempo, além de todas as outras variáveis possíveis dentro de um bom planejamento de importação e distribuição de mercadorias.
O momento atual é de incertezas, mas as companhias que se planejaram, bem como as que estão se planejando agora, terão as ferramentas necessárias para atravessá-lo com relativa tranquilidade, tornando-se ainda mais sólidas e eficientes. O segredo será se planejar sempre econômica e juridicamente para as eventuais adversidades. Acredite!