Ecólogo norte-americano, um dos vencedores do Prêmio Nobel da Paz em 2007, fez a palestra de abertura do evento on-line Revolução Poética: Festival de Ideias
Estudos nacionais e internacionais apontam que, a continuar neste ritmo de desmatamento, seja para extração madeireira, seja para implantação de pastagens, a degradação da floresta Amazônica resultará em um aumento da temperatura global em 4,8º C para o ano de 2100, em relação ao que foi registrado em 2000.
“Estamos falando dos reflexos para o restante do mundo. Na Amazônia em si, o aumento de temperatura pode chegar de 6 a 8º C, o que transformaria a região num campo de savana, algo parecido com o que vemos nas áreas de caatinga do Nordeste. Uma temperatura perto da casa dos 50º C, que mata árvores e animais, que mata pessoas”, alertou o ecólogo norte-americano Philip Fearnside na noite de domingo (25), na palestra de abertura do Revolução Poética: Festival de Ideias, organizado pela Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto, e que prossegue até esta terça (27).
Fearnside mora há quatro décadas no Amazonas e integra a equipe de pesquisadores do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). Em 2007, venceu o prêmio Nobel da Paz, junto a outros cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na siga em inglês), pelos trabalhos realizados na área de aquecimento global e levados ao centro dos debates pelo ex-vice-presidente norte-americano, Al Gore.
Para discutir o tema “Sobre as velhas utopias”, junto ao ecólogo, participaram do debate a Mestre de Cerimônia da noite e presidente da Fundação do Livro e Leitura, Dulce Neves, a arquiteta e urbanista Marcela Cury Petenusci, o diretor institucional do Instituto Terroá, Daniel Bellissimo e Isabela Luciano, participante do projeto NAU, uma iniciativa do Instituto SEB para apoiar jovens na conquista de um emprego.
O ecólogo integrou o debate direto de sua residência, no Amazonas, enquanto os debatedores e a mestre de cerimônia estavam presencialmente no Instituto SEB – A Fábrica, seguindo todos os protocolos de saúde e segurança orientados pela OMS.
Rios voadores
Em sua apresentação on-line, Philip Fearnside levantou paralelos entre as crises mais recentes de abastecimento na região Sudeste, como a que afetou o estado de São Paulo, em 2014, e o aumento do desmatamento da região Amazônica. “Um importante movimento de águas na floresta é a evapotranspiração, ou seja, o ciclo natural de ‘respiração’ das árvores, que por meio das correntes atmosféricas, formam verdadeiros rios voadores que vão abastecer outras regiões do país, especialmente a Sudeste, onde contribuem com os volumes de água dos rios São Francisco e Prata”, explicou. Ou seja, com menos árvores, as chances dos chamados rios voadores existirem são prejudicadas.
Durante o debate, a arquiteta e urbanista Marcela Cury Petenusci lembrou que a floresta, em pé, é muito mais vantajosa economicamente pelos serviços ambientais que presta para o Brasil e o mundo. Daniel Bellissimo, diretor institucional do Instituto Terroá, indagou Fearnside sobre o discurso do governo brasileiro na Cúpula do Clima, onde foram feitas promessas de zerar o desmatamento ilegal até 2030. “Podemos entender esta promessa de duas formas distintas: ou vão agir para dar fim ao que está sendo feito atualmente, ou vão legalizar o que está em andamento. Mas é importante salientar que a floresta não sabe o que é desmatamento legal ou ilegal, e o desmatamento está acabando com a floresta”, avaliou o ecólogo que, respondendo ao questionamento da integrante do projeto Nau, Isabela Luciano, sobre a participação da juventude neste processo de conscientização, lembrou que os cortes de recursos para o meio-ambiente em andamento refletem até em dificuldades de ações para ONGs e outras entidades que poderiam trabalhar a questão ambiental com as futuras gerações.
“Mas, afinal, por que o mundo voltou a olhar para a Amazônia neste momento?”, questionou a jornalista e presidente da Fundação do Livro e Leitura, Dulce Neves. “Porque este interesse é cíclico, aconteceu no passado, com a Eco-92g, depois em 2007, com os estudos do aquecimento global, e agora, após as queimadas de 2019/20. O mundo se volta para a Amazônia, mas o Brasil precisa entender que manter a floresta viva é um interesse do próprio país, que tem a sorte de ainda ter uma área como esta, coisa que muitos outros países não têm mais”, respondeu Fearnside.
Transpurus em perigo
Ao final, o ecólogo fez mais um alerta. “Existe uma grande área intacta a noroeste da floresta, a chamada região Transpurus, e ela ainda está ajudando a manter o equilíbrio ambiental. Mas essa área já está ameaçada, graças ao projeto de abertura da rodovia BR-319, que vai facilitar a criação de ramais rodoviários ilegais e levar a ganância pela madeira e áreas de pastagens também para aquela região. É preciso, mais do que nunca, lutar pela preservação daquele pedaço enorme de floresta que ainda é capaz de nos manter em equilíbrio.”
Estreia de documentário
Abrindo a noite, às 19 horas, antes da fala de Philip Fearnside, foi exibido um filme do documentarista Leo Otero. Em “Pioneira Luta”, ele explora o tema de uma das utopias mais antigas que temos na humanidade, que é a disputa pelo direito à terra, que remonta há milênios e gera guerras até hoje. “Neste vídeo-documentário eu trago este debate para os tempos atuais, com a saga dos povos indígenas que, há 521 anos sofrem um massacre na disputa por território e continuam resistindo e existindo. Mais que uma disputa pela terra, uma disputa física, cultural, espiritual e econômica e que vem em uma escalada muito violenta”, alerta Otero.
Programação
O “Revolução Poética – Festival de Ideias” foi contemplado pelo edital ProAc Expresso LAB 40/2020 criado através da Lei Aldir Blanc. Trata-se de um projeto realizado pelo Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Instituto SEB e Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto.
O festival terá atividades até terça-feira (27) e, nesta segunda-feira (26), conta com a participação do escritor Alexandre Ribeiro, às 19h30, e a professora, Manuela Salau Brasil, às 21h30, além de apresentações artísticas da dupla Tânia Alonso e Thais Foresto, às 19h, e De Lucca Circus, às 21h.
Os interessados em participar da atividade podem acessar as redes sociais da Fundação do Livro e Leitura de Ribeirão Preto (YouTube e Facebook) ou a plataforma digital (http://www.fundacaodolivroeleiturarp.com/). As atividades são abertas e gratuitas ao público.