Os desafios da produção científica brasileira
Claudia Buzzette Calais*
Há mais de 60 anos acompanhamos de perto a produção científica brasileira e, nesses anos, vimos a ciência colocar o Brasil num lugar de destaque no mundo acadêmico. Ocupamos hoje a 23ª posição entre os 25 países mais bem colocados no ranking de artigos científicos. Apesar disso, estamos na 36ª posição em investimentos nessa área. Produzimos muito conhecimento que já reflete na vida da população, mas que poderia refletir muito mais.
Mas o desafio da ciência e de quem dedica a vida à pesquisa vai muito além da dificuldade de financiamento. Especialistas, divulgadores científicos e representantes de entidades de fomento à pesquisa apontam a distância entre a Academia e a Sociedade, entre quem produz conhecimento e aqueles que seriam seus beneficiários, como uma das barreiras a ser transposta. Seja pela dificuldade de comunicação ou pela não adoção da pesquisa como política pública.
Em março deste ano, o professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Cesar Victora, recebeu no Canadá o Prêmio Gairdner, cuja relevância coloca seus agraciados como potenciais candidatos à indicação para o Prêmio Nobel.
Seus estudos epidemiológicos sobre amamentação, que demonstraram o impacto do aleitamento materno sobre a mortalidade infantil e os efeitos da nutrição nos primeiros anos sobre a saúde da infância à idade adulta, poderia ter passado despercebidos pela sociedade se não houvesse um esforço conjunto do poder público, da sociedade civil e dos meios de comunicação em traduzir o trabalho em um conceito simples sobre a necessidade do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade.
Esse é um caso bem-sucedido no qual o conhecimento científico pautou o rumo de políticas e campanhas de saúde pública adotadas hoje no Brasil e no mundo, e transformadas em recomendações de ações tanto pela Organização Mundial da Saúde como pela Organização das Nações Unidas. Seus resultados também foram amplamente divulgados junto à sociedade, impactando em mudanças comportamentais cotidianas.
Mas é importante ressaltar que nem sempre o conhecimento percorre esse caminho e um volume significativo de produção científica não chega a ultrapassar a fronteira da Academia. Para que trabalhos ganhem visibilidade e de fato cheguem à sociedade a imprensa tem papel fundamental, não apenas na divulgação de resultados, mas também na cobertura do processo. E isso inclui dizer como são definidas as políticas de fomento científico, de onde vêm e como são alocados os recursos desta área.
Cabe à Academia também fazer um trabalho de capacitação de profissionais de comunicação especializados (jornalismo científico e cultural) e estabelecer um relacionamento com veículos, de forma a garantir espaços de divulgação do conhecimento produzido, que torne a comunicação como parte integral, e não acessória, da produção científica. Bem como influenciar a sociedade e o sistema educacional, desde a base, e mobilizar o interesse em torno das Ciências.
Outro ponto importante neste caminho e cada vez mais urgente no momento atual do País, é a participação de pesquisadores no processo de elaboração de políticas públicas. Com recursos cada vez mais escassos, é preciso utilizar o conhecimento produzido como catalizador de resultados dos investimentos públicos. E a Academia também tem um papel importante como grupo de influência e elemento de pressão sobre as instâncias decisórias de políticas públicas.
Apesar de no Brasil o conhecimento estar muito vinculado ao setor público, uma vez que boa parte das pesquisas está concentrada nas universidades públicas, é preciso também reconhecer a importância do setor produtivo para o avanço do conhecimento, principalmente por meio do financiamento de pesquisas em universidades, instituições e entidades científicas, impulsionando a competitividade e a eficiência do setor produtivo nacional sem, no entanto, interferir na autonomia do fazer científico.
Estes pontos abordados são frutos da reflexão dos próprios cientistas durante um encontro em comemoração aos 60 anos da Fundação Bunge, onde contemplados com o Prêmio Fundação Bunge e outros cientistas, artistas e intelectuais dividiram suas conquistas, sonhos e também apontaram os desafios que encontram ao longo de suas jornadas.
Precisamos evoluir em linguagem, políticas públicas, educação, ultrapassar os muros das universidades e tantos outros pontos que aqui poderiam ser elencados. Mas um fato é unânime: a Ciência precisa ser priorizada, não apenas no discurso. E não tem outra forma de priorizá-la senão investir, investir e investir. Os benefícios são meus, seus, são nossos. Os benefícios são para o País.
*Claudia Buzzette Calais é jornalista e diretora-executiva da Fundação Bunge.